
Pesquisadora, escritora, especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Indígena, educadora, ativista social.


Eu sou em mim
Poesia marginal
“Eu sou em mim” é um poema que apresenta recortes de vivências pessoais minhas e de outras mulheres negras. Mulheres que sofrem e sofreram com as consequências do racismo, que vêm atreladas ao machismo em uma sociedade que nos nega a liberdade, pois somos presas ao medo desde que nascemos. O que nos é ofertado? Apenas a sensação de impotência, vulnerabilidade, insegurança e invasão constantemente.
Eu sou em mim,
quando antes de crescer, o cara já me olha
e diz: vai dar trabalho.
Eu sou em mim,
quando aprendo na infância que sou mulata,
parda, morena, marrom, menos negra.
Eu sou em mim,
quando ainda quero brincar de boneca, mas
já me olham com desejo.
Eu sou em mim,
quando na escola não faço educação física
por vergonha do meu corpo esguio e franzino.
Eu sou em mim,
quando ainda menina, me olho no espelho e
odeio meu corpo, cabelo e pele.
Eu sou em mim,
quando aos treze anos, ao voltar da escola,
um homem de meia idade me olha e me
chama de gostosa.
Eu sou em mim,
quando ao usar minha saia quatro pregas
marinho, um desconhecido passa a mão
no meio das minhas pernas no ônibus.
Eu sou em mim,
quando meus colegas de classe, riem e
me põem apelidos por eu não ser como
eles acham que devo ser.
Eu sou em mim,
por ter medo de andar sozinha na rua à noite.
Eu sou em mim,
quando não sou escolhida para um trabalho
por já ter outra negra.
Eu sou em mim,
quando sou morta em defesa da honra.
Eu sou em mim,
quando envio fotos íntimas para meu
namorado e ele as posta na internet
sem minha permissão.
Eu sou em mim,
quando solto meu cabelo volumoso e
perguntam por que eu não aliso.
Eu sou em mim,
quando dizem que não é possível que
eu não saiba sambar.
Eu sou em mim,
quando entro em um restaurante chique
e todos me olham espantados.
Eu sou em mim,
quando vejo várias mulheres brancas
em passarelas, televisão, publicidades,
mas não me vejo.
Eu sou em mim,
quando entro em uma loja e o vendedor
evita me atender.
Eu sou em mim,
quando meu namorado me engravida,
me abandona e crio o filho sozinha.
Eu sou em mim,
quando meu companheiro me agride,
mas alguém diz que mereci.
Eu sou em mim,
quando sou estuprada, mas dizem
que eu fui a culpada.
Eu sou em mim,
quando sou chamada de vadia se
rebolo até o chão.
Eu sou em mim,
quando estou no Leblon e vejo que
a maioria das babás são mulheres pretas.
Eu sou em mim,
quando vejo que as chances de meu filho
ser morto aumentam somente por ele ser negro.
Eu sou em mim,
quando meu marido me bate e vou à delegacia,
e o delegado diz que nos amamos,
me convencendo a não registrar ocorrência.
Eu sou em mim,
quando meu noivo enriquece e me troca por
uma mulher branca.
Eu sou em mim,
quando um policial dá uma coronhada na
minha cara que me mata, mas a mídia mostra
que tive uma morte natural.
Eu sou em mim,
quando choro, mas resisto.
Eu sou em mim,
quando descubro minha identidade.
Eu sou em mim,
eu sou minha,
muitas vezes morri,
mas em mim, sobrevivi.